Momento mitopoético

Era um sonho
Nos mares da mente
De um barco era dono
O leme à minha frente
Não sabia se meu posto
Era de capitão ou tenente.

A tripulação sem rosto
Trabalhava mecanicamente,
De repente um alvoroço:
Uma tempestade à frente
Um pânico ao todo
Num cenário demente.

Eu grito em vão
A tripulação se revolta
Afinal, não és capitão?
E agora te apavoras?
Mostra-nos a direção
Para o caminho de volta!

Olho para a escuridão do céu
Procuro o sol, meu guia
Mas vejo um intransponível véu
De nuvens de camada fria.
Ergo meus braços ao léu
À procura de uma divina via.

No céu nenhum sinal
No barco um motim se aproxima
Resta me um caminho anormal
O fundo do mar que alucina.
Abaixo me sobre a água afinal
Meus olhos à procura da sina.

De súbito, do fundo apareceu
Um monstro de sete cabeças
Terrível criatura de Morfeu
Que me encheu de incertezas.
Mas meu coração percebeu
Ser esta a causa do mar em furor.
Uma dúvida então me bateu:
É possível uma luta sem dor?

A intuição leva meu olhar à frente
Fito imagem deslumbrante
Algo que emergiu de repente
É a dama dos navegantes
Divina luz latente
Infinito amor em seu semblante.

A formosa rainha me abençoou
E do manto, retirou
Uma flamejante lança
O objeto sagrado me lançou
Que agarro com confiança
Um raio, o meu corpo atravessou
Sinal da poderosa aliança!
E ao investir sobre a horrenda fera
A visão me encheu de desgosto
Em cada cabeça se espelha
Minha face, meu próprio rosto!
Que pior destino me espera
Ao me ver como repugnante monstro?

Com a lança de Eros investi
Ferindo cada cabeça infernal
O fogo consumindo as faces
Partes emersas de meu mal.
E antes que elas contra-atacassem
A luta chegara ao final.

Após a vitória contra mim
Ocorreu o que se previa:
A tripulação acabou o motim
E a tempestade diminuía
O sol surgiu enfim
Com seus raios de sabedoria.

O mar bravio obedeceu
Ondas de ódios já não o tingem.
Sorridente, a dama desapareceu
E agradeço à bela virgem
Pela luta que me converteu
Amor e paz me impingem.

O barco navega em frente
Por águas límpidas e suaves
Rumo ao sol poente
Cercada de douradas aves.
Eis o mistério da mente
Simbolizado pelo que já sabes:
A luta de um navegador valente
Contra a fera de seus próprios mares.

(Poesia publicada em meu livro “A Magia do Ser”, Ed.Scortecci)
#poesia #mitologia #saúdemental

*Fernando Porto Fernandes é psicanalista de abordagem junguiana e escritor. Trabalhou por 30 anos no jornalismo impresso, produzindo textos para jornais e revistas. Atualmente faz atendimento clínico e é autor do livro “Morte, Biografia Não Autorizada”, com o qual faz palestras sobre o tema “Pequenos e Grandes Lutos de Nossa Vida”. Contato pelo e-mail: [email protected]   











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