LUTO E SUPERAÇÃO

A crença no ciclo interminável de inícios e fins não é uma certeza religiosa, mas sim da natureza. Depois do inverno mortal, sabemos que virá a primavera vital.

Por Fernando Porto Fernandes*

“Considero incompreensível que a ideia da transitoriedade do belo possa perturbar nossa alegria diante dele. No que diz respeito à beleza da natureza, após sua destruição pelo inverno, ela voltará novamente no próximo ano, e esse retorno em relação à duração de nossa vida deveria ser caracterizado como eterno”.

Gosto muito de reler o trecho desse artigo de Freud “Transitoriedade”, escrito em 1915 (em sua coleção datada por 1916), que se refere à conversa que teve, durante um passeio, com o poeta Rainer Maria Rilke e sua fascinante companheira, a psicanalista Lou Salomé. E costumo citá-lo na minha palestra sobre “Pequenos e Grandes Lutos de Nossa Vida”, baseada no meu livro. Vai de encontro ao incontestável fato de que a natureza nos ensina, muito além dos dogmas religiosos, que tudo tem uma continuidade. Mas é também essa lição natural lembrada na fé cristã, na passagem bíblica de João 12:24: “Em verdade, vos asseguro que se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer produzirá muito fruto”.

Aprendi também com a hunduísta ciência Ayurveda a focar em “Anitya”, que significa “aceitar a impermanência da vida” – tudo passa, nada é eterno. Mesmo assim, como qualquer ser humano, não deixo de sofrer com a perda de alguém querido porque não queremos nos despedir do que nos faz bem, do que é belo no viver, como aponta Freud. E não há errado nisso desde que o sofrimento não perdure por muitos anos a ponto de se tornar patológico até a terrível melancolia ou ao estado maníaco da negação da realidade.

Mas há a tese lógica de que o medo de nossa finitude está ligado diretamente a duas coisas: a nosso compreensível apego à vida e à possibilidade imaginada de um sofrimento no processo de desprendimento, de falecimento. Em relação a esta última dúvida, talvez a certeza de algo melhor na “passagem”, sem sofrimento, nos fizesse ter uma imensa alegria pela partida das pessoas queridas e uma grande aceitação do momento final – longe, é claro, da ideia de tirar nossa própria vida a qualquer infortúnio que nos fizesse sofrer.

E permanece o mistério, que nos faz sentir o medo. “Temer a morte, é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe… Por isso, jamais fugirei de medo do que não sei se será um bem”, disse um dia o filósofo Sócrates. Parece muito pertinente, mas não para nosso ego ainda em aprendizado, não?

O Dia de Finados deveria, então, ser o dia da conscientização – ou do despertar da consciência? – dessa impermanência necessária de tudo, de Anitya, e apenas do recordar das boas lembranças e ensinamentos deixados por parentes, amigos e, claro, pets.  

Ao compreendermos realmente esse grande arquétipo da Morte, sofremos sim, mas aceitamos não só a perda física de alguém que se foi, como também vivenciaremos de forma corajosa, o luto de um grande amor, da morte de um sistema político, da perda de fé religiosa, da decepção com um amigo, da derrota, do fracasso momentâneo de um trabalho…. Porque, nesse mundo de dualidades – luz e trevas, bem e mal – o fim se transforma em novo início ou reinício.

Da morte, o que ficou, há transformação, mudança…. Uma perda de emprego significará o momento de fazer aquele estudo ou aquele projeto que você sempre adiou. No fim do relacionamento, um novo amor – por outra pessoa ou por si mesmo. Não existe perda eterna, o ganho vai ressurgir de alguma forma. Não porque eu acredito. Mas pela lei natural da existência.

*Fernando Porto Fernandes é psicanalista de abordagem junguiana e escritor. Trabalhou por 30 anos no jornalismo impresso, produzindo textos para jornais e revistas. É autor do livro “Morte, Biografia Não Autorizada” e faz palestras sobre o tema “Pequenos e Grandes Lutos de Nossa Vida”. Contato pelos e-mails: [email protected]

Leia mais em: http://omeurefugio.com.br/luto-por-caes-e-legitimo/

 

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