Meio da vida: crise ou evolução?

(Crédito arte: Scott Liddell/SXC)

Como superar a crise da meia idade? Saiba como esse período representa oportunidade de desenvolvimento humano, de seguir o verdadeiro caminho da alma.

A crise de meia idade representa, para muitas pessoas, um início de decadência pessoal. Mas por que considerar desta forma e não como uma oportunidade de reexaminar nosso papel na vida e buscar uma evolução? É o que propõe a teoria de Carl. G. Jung, criador da psicologia analítica, que definiu essa fase como Crise de Metanoia, um momento de crise existencial da segunda metade da vida de cada ser humano, quando há uma autêntica busca da resolução de conflitos internos e, consequentemente, de autorrealização.

Por meio da terapia junguiana, cada pessoa buscará, nesse período da vida, um crescimento interior para superar os desafios do mundo. É o momento em que ouvimos o “chamado da alma” e seguimos o nosso real propósito de vida já que, na primeira metade de vida, somos influenciados por nossos pais em nossas escolhas – graças às relações primárias de formação do ego. Respondendo ao chamado de alma, cada ser humano inicia sua jornada única e própria, que o mitólogo Joseph Campbell definiu como a “jornada do herói”. É muito comum que, ao tornar-se consciente de seu propósito, a pessoa mude seu modo de vida e carreira profissional.

As duas idades adultas
Além da obra de Jung sobre a Crise de Metanoia, dois grandes seguidores do psiquiatra procuraram o aprofundamento do tema: James Hollis, com “A Passagem do Meio”, e Murray Stein, com a obra “No Meio da Vida – Uma Perspectiva Junguiana”. Na visão de Hollis, especialmente, “reconhecer a inevitabilidade da mudança, e seguir seu fluxo, é uma sabedoria sutil e necessária, mas a nossa tendência natural é resistir à destruição daquilo que conseguimos realizar”. Esta destruição citada representa uma espécie de “morte” dentre várias que o ser humano é obrigado a passar nas fases de desenvolvimento da consciência durante a vida, desde os ritos de passagem de infância (primeira identidade) e puberdade (segunda identidade) até as duas fases adultas.

A evolução das idades adultas segue um processo natural na humanidade, mas o amadurecimento no meio da vida, que Hollis chama de “passagem do meio”, varia de cada pessoa, pois o tempo cronológico (tempo linear, derivado da palavra grega Chronos) é diferente do tempo de evolução da consciência (de dimensão profunda, conhecido pela outra palavra grega, Kairós). “A passagem do meio começa quando perguntamos: Quem sou eu, além de minha história e dos papéis que representei?”, explica o analista. Ou seja, quando a pessoa é lançada nessa dimensão vertical de tempo, Kairós, intercruza o plano horizontal de vida, com reflexão profunda: “Quem sou, então, e para onde estou indo?”.

Na chamada primeira idade adulta – segundo Hollis, o período entre doze e quarenta anos -, o curso natural do jovem é repetir o exemplo de outros adultos com os quais se identifica (nem sempre os pais) ao conseguir emprego, casar e ter filhos. Deve-se levar em conta, é claro, que muitos jovens nos dias de hoje estendem sua adolescência até os 40 anos – o que Jung chama de “puer” – mas, ao confirmar finalmente essa primeira idade adulta, anos à frente, pode estendê-la por todo o resto de vida como uma existência provisória “destituída da profundidade e da qualidade única que torna a pessoa um verdadeiro indivíduo” – analisa Hollis.

A segunda idade adulta é quando chega a crise de meia idade – que pode ter início naturalmente aos 40 anos, mas, como já explicado, pode ocorrer aos 50 ou 60 anos, quando deixamos de ser reféns dos complexos materno e paterno e de nosso papel exercido na sociedade. Vivenciamos esse período como uma morte do “Eu” antigo. Descobrimos, então, que nosso ego nunca esteve no controle dessas projeções e esta descoberta nem sempre ocorre no divã (por meio das sessões de psicanálise em busca do chamado interior do Self), mas da pior forma possível, quando perdemos nossa zona de conforto por meio de um fracasso nos projetos profissionais, uma demissão de emprego, um divórcio, uma humilhação, o peso da idade … (às vezes, todos juntos). Ou pode vir por meio da dissolução das projeções, quando vem um grande vazio na vida, não importa quanto bem sucedida é a pessoa no trabalho, na família e na vida social. Essa perda de significados, atingindo a consciência do mundo ilusório dos complexos da primeira metade da vida, vem junto com a constatação de proximidade da mortalidade, que deve ser aceita obrigatoriamente.

O encontro com Si-mesmo
Quando é chegada então a crise de Metanoia, com a primeira morte da vida adulta, há dois caminhos – ou atitudes – a seguir para o resto da existência. Ou aceitamos maior responsabilidade, encarando a parte que resta da vida com motivação por novos desafios e grandes experiências, ou seguimos o caminho pior, envelhecendo com medo da morte, com arrependimento e amargura.

Hollis também analisa as identidades da vida do ser humano em diferentes eixos: “pais-crianças” durante a infância; “ego-mundo” na primeira idade adulta e, finalmente, “ego-Si-mesmo (Self) na segunda idade adulta. Neste último eixo, a consciência perde sua hegemonia de “sabe-tudo” e o ego, humilhado, começa a dialogar com o Self. Há ainda um quarto eixo, que liga o Self a Deus (ou ao Cosmos, conforme a crença particular) que “é moldado pelo mistério cósmico, que transcende o mistério da encarnação individual”. Este último eixo é chamado de encontro com o Arquétipo da Totalidade pelo psiquiatra junguiano Carlos Byington (leia sua fantástica entrevista neste blog).

Ao atravessar a Crise de Metanoia, a passagem do meio, ninguém pode dizer aonde a jornada irá nos levar. A executiva de multinacional resolve seguir a paixão pelas artes plásticas, o marceneiro estuda direito e se forma advogado, a médica resolve lecionar etc. No entanto, lembra Hollis, sabemos apenas que precisamos aceitar a responsabilidade por nós mesmos.

Jung sugeriu que precisamos nos indagar se estamos ou não ligados a algo infinito. “Esta é a poderosa pergunta de sua vida… Só valemos alguma coisa por causa do essencial que personificamos e, se não personificarmos isso, a vida será desperdiçada”.

Fernando Porto Fernandes é psicanalista de abordagem junguiana e escritor. Trabalhou por 30 anos no jornalismo impresso, produzindo textos para jornais e revistas. É autor do livro “Morte, Biografia Não Autorizada” e faz palestras sobre o tema “Pequenos e Grandes Lutos de Nossa Vida”. Contato pelos e-mails: [email protected] ou [email protected]

2 comentários Adicione o seu

  1. Camilla Mastroeni disse:

    Adorei!!!!

    1. Que bom, Camilla! Obrigado por seu comentário!
      Abs,
      Fernando

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