Você vê a vida como Schopenhauer ou Sêneca?

O alemão Schopenhauer e o estoico romano Sêneca: filósofos que influenciaram o mundo

Escreveu o primeiro sujeito: “A alegria e a despreocupação de nossa juventude devem-se, em parte, ao fato de estarmos subindo a montanha da vida e não vermos a morte que nos aguarda do outro lado”. Um segundo sujeito assim escreveu: “As grandes bênçãos da humanidade estão dentro de nós e ao nosso alcance”. Voltando ao primeiro, encontramos outra frase: “Não há rosa sem espinhos. Mas há muitos espinhos sem rosa”. Do segundo sujeito, há também essas palavras: “A verdadeira felicidade da vida é estar livre de perturbações, compreender nossos deveres para com Deus e os homens: desfrutar o presente sem nenhuma dependência ansiosa do futuro”.

A princípio, é inevitável olharmos o primeiro sujeito como um pessimista na vida, enquanto o segundo como quem vive em pleno otimismo nos seus passos. E é este equivocado olhar que nos premia a internet, em suas redes sociais, ao semear a confusão com recortes de frases de dois grandes filósofos da história, separados por séculos na linha do tempo: o alemão Arthur Schopenhauer e o romano Sêneca. É certo que a vida do primeiro – de um homem sempre recluso, solteiro, sem filhos e sem amigos – é mais difícil de defender da peche pessimista. E atire a primeira pedra quem nunca se divertiu com memes de Schopenhauer expondo frases mais sombrias. No entanto, recortes de textos podem levar a conclusões deterministas. Por essa razão, o título do artigo é provocativo.

Se o senso comum vê o pessimismo da vida encarnado em Schopenhauer – e de seu posterior seguidor de décadas depois, também alemão Friedrich Nietzche -, e, ainda, Seneca e outros filósofos estoicos como símbolos do otimismo, há uma visão acadêmica, de estudiosos e especialistas na filosofia, que veem as duas correntes como convergentes – e não contrárias – na busca pelo modo resiliente de o ser humano encarar e superar o sofrimento que a vida o impõe. Uma prova disso é que, ironicamente, Schopenhauer citava tais supostamente opositores de suas ideias, os estoicos da Antiguidade, como suas principais leituras referenciais, de acordo com Irvin D. Yalom, psiquiatra e escritor americano, que o descreveu em seu brilhante romance “A Cura de Schopenhauer”. Segundo Yalom, quase todas as páginas da obra “A meu respeito” têm algum aforismo de um grande nome estoico. Dessas citações de Schopenhauer, há uma, bem longe da aura pessimista: “Qualquer um pode ser completamente feliz, se depender apenas de si e tiver em si mesmo tudo o que chamar de seu” (Cícero).

Portanto, a questão é que não filósofos otimistas e nem pessimistas. O consenso de todos os ilustres citados é que não há fórmula para se chegar à alegria permanente, sem tristeza, porque o que se deve buscar é a felicidade e ela não pode ser atingida isolada desta dualidade de sentimentos. Oscilamos entre momentos alegres e outros tristes. Por essa razão, grande parte da nata erudita do mundo coloca as ideias de Schopenhauer no topo da grande filosofia, abaixo apenas de Platão. Irvin D. Yalom também conta que a maior obra de Schopenhauer, “O Mundo como vontade e representação”, que ele escreveu aos 20 e poucos anos, publicada em 1818 e complementada em 1844, e que influenciou posteriormente Nietzche, é até hoje uma obra inspiradora para as novas gerações de filósofos por suas reflexões profundas da condição humana e que influenciou as teorias psicanalíticas de Freud e Carl G. Jung. Não é fato novo que a psicologia, principalmente de abordagens analíticas, deve suas origens à filosofia.

Então, se há um sentido na vida para atingirmos a felicidade, como clamam os filósofos, este deve passar por modos de pensar e de agir realistas da vida – nem pessimista e nem otimista, com propósitos que nos fortaleçam a cada evento diário e que nos tragam resiliência. “Vista da juventude, a vida é um longo futuro; a partir da velhice, parece um curto passado. Quando partimos em um navio, as coisas na praia vão diminuindo e ficando mais difíceis de distinguir; o mesmo ocorre com todos os fatos e as atividades de nosso passado”, comparou Schopenhauer.

“A felicidade humana é fundada na sabedoria e na virtude; mas, primeiro, na sabedoria”, escreveu Seneca. Nietzche também via na sabedoria a chave para a busca do sentido da vida, como na bela analogia: “Nosso tesouro está na colmeia de nosso conhecimento. Estamos sempre voltados a essa direção, pois somos insetos alados da natureza, coletores do mel da mente”. Seneca complementaria, num imaginário encontro atemporal entre os dois: “O sábio, em qualquer condição em que se encontre, ainda será feliz, pois submete todas as coisas a si próprio, porque se submete à razão e governa suas ações por conselhos, não por paixões”.

Se Schopenhauer e Nietzche não devem ser tachados de indolentes e inertes aos desafios da vida, também os filósofos estoicos estão longe da visão estereotipada de pensadores inativos e alienados que fugiam aos desafios da vida. Estamos falando de uma linha filosófica na Antiguidade comprometida por três disciplinas: da Percepção (como vemos e percebemos o mundo à nossa volta); da Ação (as decisões que tomamos e ações que empreendemos); e da Vontade – ou seja, lidamos com as coisas que não podemos mudar, alcançamos julgamento claro e chegamos a uma verdadeira compreensão de nosso lugar no mundo. Além do dramaturgo Seneca, os mais famosos e citados estoicos da atualidade são o imperador romano Marco Aurélio e o ex-escravo Epicteto.

“Um pódio e uma prisão são ambos lugares, um elevado e o outro baixo, mas nos dois tua liberdade de escolha pode ser mantida se assim desejares”, discursava Epicteto, que ganhou a confiança do imperador romano Adriano por suas ideias resilientes que o libertaram da escravidão. Em outra lição de resiliência, Marco Aurelio escreveria em suas “Meditações”: “De fato, ninguém pode frustrar os propósitos de tua mente — pois eles não podem ser tocados por fogo, aço, tirania, calúnia ou qualquer outra coisa”. Na mesma obra, o imperador nos incita a coragem de lutar contra os pensamentos limitadores: “Compreende finalmente que tens algo em ti mais poderoso e divino do que aquilo que causa as paixões físicas e te manipula como um mero fantoche. Que pensamentos ocupam minha mente agora? Não será medo, desconfiança, desejo ou algo semelhante?”.

Voltando a Nietzche, o filósofo coloca a necessária resiliência incansável na vida atrelada ao mesmo propósito de viver: “Quem tem uma razão de viver é capaz de suportar qualquer coisa”. E, claro, sem esquecer sua frase mais popular sobre a atitude resiliente: “O que não me mata, torna-me mais forte”, do seu livro “Ecce Homo”. O “colega” atemporal de Nietzche, Marco Aurelio, da antiguidade, enfatiza os princípios dessa luta resiliente: “Teus princípios não podem ser extintos a menos que apagues os pensamentos que os alimentam, pois está sempre em teu poder reacender novos. É possível começar a viver de novo! Vê as coisas de forma diferente como fazias outrora: é assim que se reinicia a vida!”

Separados pelo tempo, mas imortalizados pelas ideias, os filósofos nos convidam para o heroísmo de nossas ações para mantermos o sentido de viver. “Uma vida feliz é impossível. O máximo que se pode ter é uma vida heroica”, proferiu Schopenhauer. “Então quem é o invencível? É aquele que não pode ser perturbado por nada que esteja fora de sua escolha racional”, completaria Epicteto, em sua era romana. E é seguido da confiança inabalável de Marco Aurelio: “Se achas que realizar alguma coisa por ti mesmo é muito difícil, não imaginas que é impossível — pois qualquer coisa possível e adequada para outra pessoa pode ser levada a cabo por ti com igual facilidade”.

Além da coragem e resiliência para enfrentar os desafios da vida, os ilustres pensadores nos incentivam a aceitar e a superar o inevitável fim da existência. “Sempre quis morrer rápido, pois quem viveu só a vida inteira saberá avaliar melhor esse tema solitário. Em vez de sumir em meio às tolices e bufonarias preparadas para os lastimáveis bípedes humanos, vou terminar feliz, consciente de estar voltando para onde vim (…) e de ter cumprido minha missão”, escreveu Schopenhauer. Já Marco Aurélio propõe a inevitabilidade da morte como o principal combustível para uma vida plena: “Que cada coisa que tu faças, digas ou pretendas, seja como a de alguém que está morrendo”. Na mesma linha estoica, escreveu Epicteto: “Preparemos nossa mente como se tivéssemos chegado ao fim da vida. Não adiemos nada. Façamos o balanço dos livros da vida a cada dia […]. Àquele que põe os toques finais em sua vida a cada dia nunca falta tempo”.

O estigma popular da psicanálise como pessimista
Não só os dois famosos filósofos alemães do século 19 são estigmatizados até hoje pelo senso comum como propagadores do pessimismo na vida. A chamada psicologia profunda – que inclui todas as linhas provenientes da teoria de Freud, além de Adler e Jung – traz essa injusta fama dos que não a conhece por colocar o paciente de frente com seus medos internos do inconsciente. Mas os menos informados desconhecem que há citações estoicas nas obras de Freud e Jung. No entanto, certamente Schopenhauer é a grande influência dos dois porque traz, principalmente, em seus livros, reflexões sobre o inconsciente e as forças instituais que o ser humano reprime para permitir sua civilidade entre os semelhantes. Um grande exemplo: “A vida interior é reprimida e não pode ser conscientizada porque conhecer nossa natureza mais profunda (nossa crueldade, medo, inveja, desejo sexual, agressividade, egoísmo) seria um peso maior do que poderíamos aguentar”, escreveu o genial alemão.

Não há como negar que a esta frase de Schopenhauer converge com princípios da teoria de Freud. O austríaco teorizava que a repressão das forças instintuais é o que provoca conflitos internos no ser humano, que sofre e adoece com o surgimento de sintomas físicos e psíquicos. O tratamento desse sofrimento humano na psicanálise consiste em elaborar e ressignificar, por meio da análise, seus conteúdos internos provenientes dos conflitos entre o desejo humano de buscar prazer imediato e a adaptação às demandas da realidade, que muitas vezes envolvem adiar a gratificação desse desejo (o conceito freudiano de “princípio do prazer” e “princípio da realidade”).

No entanto, Freud não ofereceu uma resposta definitiva para a questão da busca por uma vida feliz no sentido amplo, pois acreditava que o significado da vida era altamente subjetivo e dependia das experiências individuais de cada pessoa. Por outro lado, ele argumentava que a expressão e a resolução de desejos e conflitos reprimidos eram essenciais para a conquista de uma vida mais resiliente e equilibrada. Carl Jung, que chegou a trabalhar com Freud e depois rompeu para fundar a psicologia analítica, tinha uma perspectiva diferente em relação ao sentido da vida pois acreditava que este estava intrinsecamente ligado ao processo de individuação, que é o desenvolvimento de todo o potencial humano.

Para o psicólogo suíço, o objetivo principal da vida era buscar a integração e a harmonia entre os aspectos conscientes e inconscientes da psique e definia a vida como uma jornada de autoconhecimento e crescimento pessoal, na qual as pessoas exploram e aceitam todas as partes de si mesmas, incluindo os aspectos mais profundos e inconscientes. Para atingir a individuação, Jung enfatizava a necessidade de um simbolismo espiritual. “O indivíduo não realiza nem o âmbito nem o sentido de sua vida se não conseguir colocar o seu ‘eu’ a serviço de uma ordem espiritual e sobre-humana. Essa necessidade corresponde ao fato de que o ‘eu’ jamais constitui a totalidade do homem mas apenas a parte consciente. Somente a parte inconsciente, cujos limites não podem ser demarcados, é que o completa para formar a totalidade real”, escreveu.

Em todos esses percursos filosóficos psicológicos, apresentados por tais geniais pensadores, não há visão otimista ou pessimista para encarar a vida. Há, sim, a certeza de que a felicidade, o sentido da vida, está em nossa atitude de mudança para cada situação que se apresenta, buscando a evolução (ou a individuação citada por Jung) por meio do aprendizado com o “outro”, do trabalho interior e da resiliência com as adversidades. Para isto, é preciso coragem e ousadia.

Fernando Porto Fernandes é psicólogo, psicanalista de abordagem junguiana e escritor. Trabalhou no jornalismo impresso, produzindo textos para jornais e revistas. Atualmente faz atendimento clínico e é autor do livro “Morte, Biografia Não Autorizada”. Contato pelo Instagram @fernandofernandes_psicanalista ou e-mail: [email protected]