Permito-me um devaneio mitológico em tempos pandêmicos; uma analogia arquetípica.
A ninfa Corônis (Corona?) foi acolhida (aceita e subestimada) no coração de Apolo, deus do Equilíbrio e da Razão (a ciência médica), até traí-lo um dia com Ísquis (o contágio descontrolado e a infestação). Foi então morta pela irmã de Apolo, Ártemis, deusa da Caça e do Parto (o combate e a geração de anticorpos a partir do interior do vírus). D corpo de Corônis, foi retirado com vida o filho dela com Apolo: Asclépio, o grande deus da cura e da medicina (a esperada vacina?).
Mitologia, símbolos e metáforas preenchem a vida e o trabalho do psicanalista.
Nooterapia
A história de herói-deus Asclépio não é só ligada à cura medicinal, mas também tem sua importância arquetípica para os profissionais de saúde mental. A razão disso precisa ser melhor detalhada do início. Segundo o mito, este deus da medicina, originário de Trica (Tessália) teria vivido na antiga cidade de Epidauro, onde foi erguido um santuário para consagrá-lo (outros escritos traduzem o nome do deus como Esculápio). Admirado como um herói-deus pelos gregos, o filho de Apolo teria desenvolvido naquele local uma escola de medicina, mas com métodos “mágicos”, e que abriria caminho mais tarde – segundo descreve o mitólogo Junito de Souza Brandão –, para uma medicina mais científica dos intitulados “descendentes de Asclépio”, destaque maior para o grande Hipócrates.
Neste famoso santuário da medicina, onde Asclépio tinha um templo para seu lado deus e outro com oferendas para sua imagem de herói, havia uma inscrição que sintetizava as curas milagrosas: “Puro deve ser aquele que entra no templo perfumado. E pureza significa ter pensamentos sadios”. Seria então Aclépio o deus da nooterapia, da cura do corpo a partir da cura da mente? É o que presumem os historiadores, de que o santuário de Epidauro tinham métodos espirituais que tratavam a mente – causadora das doenças. Tempos remotos que trazem pistas de origem da psicossomática e de todas as linhas psicoterapêuticas.
*Fernando Porto Fernandes é psicanalista de abordagem junguiana e escritor. Trabalhou por 30 anos no jornalismo impresso, produzindo textos para jornais e revistas. É autor do livro “Morte, Biografia Não Autorizada” e faz palestras sobre o tema “Pequenos e Grandes Lutos de Nossa Vida”. Contato pelos e-mails: [email protected]